“Muitos sobreviveram porque alguém decidiu fazer a coisa certa” Centenas de sobreviventes do Holocausto vivem na Suíça. Alguns deles foram retratados por fotógrafos suíços em 2016. A ideia era mostrar os rostos desses homens e mulheres, marcados por suas vidas e experiências notáveis. Os retratos, juntamente com filmes e textos, foram reunidos em uma exposição intitulada “Os últimos sobreviventes suíços do Holocausto”, que agora também está disponível online. |
Em 27 de janeiro de 1945, as tropas do Exército Vermelho libertaram os prisioneiros de Auschwitz-Birkenau. Depois, centenas de sobreviventes do Holocausto chegaram à Suíça. Anita Winter fala sobre eles. swissinfo.ch: A senhora conhece muitos sobreviventes do Holocausto que vivem na Suíça. Saberia dizer exatamente quantos? Anita Winter: Estima-se que existam várias centenas. Não há números exatos porque alguns não se identificam como sobreviventes. Muitos preferem o anonimato. Depois de tudo que viveram, é compreensível. Setenta e sete anos se passaram desde a libertação de Auschwitz-Birkenau e o número de testemunhas está diminuindo. O que desaparece com elas? Sim, as testemunhas estão diminuindo. Elas relataram horrores inconcebíveis, que viram com seus próprios olhos. Isso é extraordinariamente importante, assim como a própria narração desses acontecimentos. Estamos, portanto, num momento decisivo na transmissão do conhecimento sobre o Holocausto. Os sobreviventes estão agora nos passando ‘o bastão da memória’. Não podemos agradecer-lhes o suficiente por terem encontrado a força para nos contar suas experiências e memórias, mesmo que algumas dessas experiências sejam indescritíveis. Na Suíça, está prevista a construção de um monumento sobre o Holocausto. Isso é algo importante para os sobreviventes? Sim, com certeza. Eles querem um lugar de lembrança, mediação e alerta. Isso está claro em todas as conversas. O antissemitismo não afeta apenas os judeus. Se reconhecermos que o ódio cria um clima tóxico, um terreno fértil para o extremismo em geral e, assim, põe em perigo nossa democracia e nosso Estado de direito, devemos combatê-lo hoje e não amanhã. Os sobreviventes nos advertem: “Já vimos do que as pessoas são capazes”. O antissemitismo ganhou força durante a pandemia. As velhas teorias de uma elite secreta estão circulando novamente. Isso preocupa os sobreviventes? Sim, muito. Frequentemente eu sinto o seu medo. Muitos quase previram isso no início da crise do coronavírus. “Há uma crise chegando e pode ser que nos prejudiquem e nos culpem novamente”. É simplesmente devastador. Já ouvi essa frase várias vezes. O que se pode fazer sobre isso? Essa é a grande questão. A melhor coisa a se fazer é educar e continuar educando. Identificar asfake news como tais e lutar contra a desinformação. E há, de fato, uma lição a ser aprendida com o destino de todos os sobreviventes. Quase todos eles sobreviveram porque, em algum lugar, uma pessoa boa fez a coisa certa na hora certa. Cada um de nós pode fazer a diferença. ‘Os últimos sobreviventes suíços do Holocausto’, uma exposição da sua fundação (Fundação Gamaraal), foi exibida em Nova York, Singapura e Israel. Quais foram as reações? A resposta tem sido impressionante, inclusive na Suíça. O que nos toca especialmente é a reação das crianças de origem migrante. Muitos encontram semelhanças com suas próprias vidas. Deslocamento e fuga são temas que essas crianças muitas vezes conseguem entender melhor por causa de suas experiências. Sempre fiquei impressionada com a reação das crianças nas escolas. Quando os sobreviventes falam de suas experiências nas escolas, os celulares são esquecidos e tudo fica em silêncio. E o que contam os sobreviventes? Eles falam sobre o tempo antes da guerra, sobre como ela começou. Contam como foram privados de seus direitos e humilhados, como sobreviveram ao Holocausto e como foram suas vidas depois. Obviamente, isso exige muita força. Para essas pessoas, a guerra não terminou em 1945. Até hoje ela está presente. |