Projeto inédito no Brasil consegue mapear o céu do país
Conhecer os céus, o espaço, outros planetas, a lua… A literatura, história e a ciência são provas de que ir além da Terra é desejo da humanidade desde sempre. Porém, por muitos séculos, a ideia de chegar de fato ao espaço não passou de um sonho. Após a Segunda Guerra Mundial, quando o mundo passou a se dividir entre as duas potências da época, EUA e URSS, a oportunidade de viajar pelos céus finalmente se concretizou. Em uma verdadeira Corrida Espacial, as duas nações reuniram os avanços científicos que vinham sendo feitos desde o século XIX, para criar suas naves espaciais e satélites para conquistar também o espaço.
Desde então, o homem não só pisou na Lua, mas expandiu seu conhecimento através de dispositivos que chegavam cada vez mais longe, alcançando, inclusive Marte. Porém, apesar dos avanços tecnológicos por conta dessas conquistas, um efeito colateral cada vez mais grave e que vem preocupando cientistas pelo mundo é a quantidade de lixo espacial que se acumula ao redor do planeta.
Lixo espacial é qualquer objeto de origem humana que foi lançado ao espaço e perdeu sua utilidade, mas permaneceu na órbita do nosso planeta. Também conhecido como “detrito espacial” ou “resíduo espacial”, vem se acumulando desde que o primeiro satélite criado pela humanidade, o Sputnik-1 escapou da atração gravitacional da Terra, em 4 de outubro de 1957. Alguns dos objetos que já foram observados incluem pedaços de foguetes, satélites sem combustível, porcas e parafusos, lascas de tinta, sacos de lixo, chave de fenda.
A ESA (Agência Espacial Europeia) estima que existam 170 milhões de restos de naves, peças, ferramentas e objetos espaciais de diferentes tamanhos orbitando a Terra. Segundo Elcio Abdalla, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), esses resíduos precisam ser contidos.
“O lixo espacial representa mais perigo para satélites ativos e naves espaciais tripuladas no espaço (e futuras expedições espaciais) do que propriamente aos habitantes da Terra, pois, ao entrar em contato com a atmosfera, grande parte dos destroços é queimada e destruída. Mas muitas tecnologias que usamos, inclusive estratégicas, dependem do bom funcionamento de satélites, que podem ser atingidos por destroços e prejudicar bastante pessoas e países”, comenta.
Mesmo raro, há episódios em que os detritos alcançaram a superfície terrestre. Em 1962, os moradores de Manitowoc, nos Estados Unidos, viram um pedaço do satélite russo Sputnik-4 voando pela atmosfera até cair no centro comercial da cidade, abrindo uma cratera no asfalto.
Mais ainda, devemos dizer que o progresso traz avanços não imaginados anteriormente, mas também problemas, principalmente em relação aos restos não utilizados de nossos avanços. Afinal, temos computadores, mas temos um imenso parque de eletrônicos sem uso. No espaço também. Temos também projetos que inundarão, no futuro próximo, os céus, com a finalidade de nos conectar uns aos outros de modo mais eficiente pelos telefones celulares. No entanto, a poluição eletromagnética subsequente, poderá atrapalhar de modo permanente nossa visão de espaço, com imensa perda para nossa observação dos céus. Isso já é verdade em regiões urbanas, mas a extensão desta perda para outras regiões leva-nos a prejuízos incalculáveis para a ciência dos céus e para a subsequente conquista espacial.
“É bom lembrar que o lixo espacial só cresce, há décadas. Então, eventos como esses podem se tornar mais comuns. Atualmente, de fato, os maiores riscos estão ligados a satélites e naves tripuladas. Então, conhecer os céus, entender o que está acima de nós, é fundamental para controlar esses riscos, antecipar problemas e unir nossos esforços para limpar o espaço, e, muito importante, mantê-lo limpo”, explica Abdalla.
Os números comprovam: um estudo conduzido por astronautas da Universidade de Warwick, no Reino Unido, alerta que fragmentos orbitais que ameaçam os satélites não estão sendo monitorados de perto o suficiente. A pesquisa revelou que mais de 75% do lixo espacial detectado ainda não é conhecido ou catalogado.
Projeto pioneiro no Brasil
E o especialista sabe do que está falando. Ele é o coordenador do Radiotelescópio BINGO, projeto pioneiro no Brasil que será instalado na Serra do Urubu, no município de Aguiar, a 257 km da capital da Paraíba. O objetivo principal do BINGO é explorar novas possibilidades na observação do universo a partir do céu brasileiro.
“A principal proposta é estudar a energia escura e também o fenômeno Fast Radio Bursts [“rajadas rápidas de rádio”, em tradução livre], ainda pouco conhecido e estão entre os fenômenos mais energéticos do Universo. Emitem, por vezes em milissegundos, o equivalente a toda produção de energia pelo Sol em três dias”, conta.
O projeto também pode evoluir para um mapeamento detalhadíssimo dos céus através de novas técnicas e de uma eletrônica mais sofisticada. “Há projetos subsequentes, que dependem de nossa capacidade em fazer estas observações, de mapear ao detalhe o que vai acima de nós. Seria um sensoreamento tão importante quanto aquele que fazemos atualmente na Amazônia brasileira através de satélites. É uma moderníssima técnica chamada de Phase Array (matriz de fase)”, afirma.