Apenas 3900 dos 14 mil jovens refugiados ucranianos em idade escolar é que matricularam este ano nas escolas públicas e parte considerável desta comunidade estudantil enfrenta “crise psicológica e stress”, pelo que não quer continuar a viver nos países de acolhimento, sobretudo europeus, alertou a Associação dos ucranianos que exorta Portugal a considerar urgentemente a Rússia “um Estado terrorista” face a atual “agressividade sem limites nos métodos para massacrar e destruir” a Ucrânia.
“Percebemos que Portugal está a alinhar naquela política da maioria dos países União Europeia que não reconheceram a Rússia como estado terrorista ou o ataque à Ucrânia como genocídio”, diz o presidente da Associação dos ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, em entrevista ao jornal É@GORA numa altura em que a Ucrânia alegadamente vive um dilema da (des)aceleração da solidariedade global.
“Pedimos que a República Portuguesa declare a atual Federação Russa um Estado terrorista acompanhado do agravamento de sanções e ao mesmo tempo defenda a Ucrânia nos mesmos princípios estatutários da NATO para a defesa coletiva para um maior apoio militar à Ucrânia”, diz Pavlo Sadokha numa carta que, entretanto, endereçou há dias ao primeiro-ministro português, António Costa. Segue a entrevista:
Como é que a Associação olha para a Ucrânia hoje perante o recrudescimento dos ataques, sobretudo, em Kiev?
Quando começaram os ataques logo em outubro nós convocamos uma manifestação em todo o país. Na segunda-feira estivemos cerca de 500 pessoas em frente à embaixada da Rússia. Também fizemos uma carta ao primeiro-ministro, António Costa, a pedir para reconhecer a Rússia como um Estado terrorista. No mesmo dia foram feitas manifestações no Porto, Algarve e outras cidades portuguesas.
Qual o objetivo da manifestação em frente à embaixada do Irão?
Dar o nosso testemunho porque falamos com os nossos familiares que dizem ter provas de que esses drones são feitos no Irão embora não se percebe ainda quando foram fornecidos. Mas acreditamos que os serviços secretos da Ucrânia têm conhecimento de que esse drones foram fornecidos à Rússia logo depois de 24 de fevereiro. Mas também sabemos que o governo iraniano já desmentiu quando no início deste ano foi abatido um avião de passageiros ao sair do aeroporto de Teerão. Achamos que com este fornecimento dos drones, o Irão se torna num colaborador do regime de Putin e tem corresponsabilidade nas mortes dos ucranianos.
Acha que esse pedido que fazem ao PM no sentido de qualificar a Rússia de estado terrorista vai surtir algum efeito? É que em junho deste ano a associação fez um apelo ao presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, no sentido qualificar a invasão russa de genocídio. Houve alguma reação da parte do Parlamento?
Só houve de um partido: o PAN que convocou uma reunião e nós falamos disso, mas não houve nenhuma reação da parte de outros partidos.
E o que isso reflete na sua opinião?
Percebemos que Portugal está a alinhar naquela política da maioria dos países União Europeia que não reconheceram a Rússia como estado terrorista ou o ataque à Ucrânia como genocídio. Na minha opinião, Portugal está a acompanhar a política geral da União Europeia, mas sabemos que os portugueses, na sua maioria, estão a apoiar os ucranianos, (pelo que nesse sentido Portugal é) um dos países onde o povo é o que mais dá apoio aos ucranianos no sentido de autodefesa e de acreditar que a Ucrânia vai ganhar essa guerra com o fornecimento de armas que a Ucrânia necessita para defender contra ataques aos alvo civis.
E o que acha que deve acontecer para que os demais países reconheçam essa situação que defende: a de que “a Rússia é um estado terrorista”?
Acho que é a primeira coisa que a diáspora ucraniana continua a fazer quase todos os dias em diversas capitais da União Europeia: manifestações e comentários na imprensa e a pedir (as pessoas) para ajudarem a Ucrânia e reconhecer a Rússia como um estado terrorista, ou condenar o que a Rússia o que está a fazer na Ucrânia como crime de guerra. O que acontece é que a própria Rússia com aquelas ações que está a fazer cada vez mais está a cair num buraco de afastamento mundial que o colocará fora das linhas diplomáticas de resolver qualquer problema.
Disse há pouco que tem estado em contacto com familiares na Ucrânia que dão conta de que os drones são realmente iranianos. Acha que há necessidade de uma maior mobilização dos portugueses no sentido de se prepararem para um novo fluxo de imigração ao ponto de acolherem os ucranianos?
Não acreditamos que os ucranianos fujam da Ucrânia mesmo com os ataques. Por exemplo, hoje, que várias cidades vão ter crise de água e eletricidade mas esta guerra tornou-se tão terrível para os ucranianos que eles já perderam o medo, pelo que não acredito que vá haver mais refugiados de Ucrânia. Acho que o povo ucraniano mesmo com crianças e povo de idade já se tornou tão aterrorizado pelos russos que quer apenas vencer essa guerra. Falei com a minha prima, cujo marido é bombeiro, que foi apagar fogo naquele prédio abatido há dias pelo drone. Contou-me que havia pessoas particulares com armas de caça que dispara(ra)m para lutar contra esses drones. Portanto, o povo mobilizou-se para ganhar essa guerra porque percebeu que não tem outra via senão a de que ganhar.
Como está o processo de integração dos ucranianos cá em Portugal onde houve grande mobilização no início da guerra e atualmente já são quase 53 mil com pedidos de acolhimento temporário. Antes houve a retirada da embaixadora…?
Em geral está normal. Temos alguns problemas como habitação mas também se resolve. Mas há um problema mais urgente que vamos resolver: o problema com as crianças ucranianas que não se matricularam este ano nas escolas públicas. Temos informação do ministro da Educação de Portugal de que dos 14 mil jovens ucranianos na idade escolar só 3900 é que matricularam para este ano. E isso não é só em Portugal. Em toda a Europa temos regularmente algumas conferências com associações ucranianas que fazem acompanhamento de todo o processo. Na semana passada tivemos uma conferência com a participação do adjunto Ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia onde levantamos esse assunto de problema de integração dos jovens ucranianos no sistema escolar nos países onde foram acolhidos.
O que se constatou?
É que mesmo que essas crianças queiram regressar para Ucrânia elas passam por uma crise psicológica com essa guerra e tudo, pelo que não vejo a continuação das suas vidas nesses países de acolhimento, mesmo com condições muito boas. Não podemos dizer que Portugal falhou alguma coisa no acolhimento dessas pessoas. O problema é mais psicológico e de stress. Aí temos que reforçar isso. Temos agora em Portugal um projeto em parceria com Câmaras Municipais, como a de Lisboa, de acolhimento e integração onde tentamos organizar cursos de língua portuguesa para melhorar a maneira como as crianças se podem integrar nas escolas portuguesas, pois um dos maiores problemas (de integração) é a barreira de linguística. Mas temos outros projetos que estamos a desenvolver para os jovens se sentirem mais integrados e com mais atenção por parte da sociedade. Aos poucos temos tido alguns bons resultados.
Há dias tiveram reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros. O que abordaram? Há possibilidade de a própria diáspora ucraniana dar aulas online a essas crianças?
Isso já acontece por causa das alterações do sistema educativo da própria Ucrânia. E nós sabemos que o ministro da Educação de Portugal está em contacto com o seu homólogo da Educação da Ucrânia sobre esse problema de integração e essas crianças que estão em Portugal continuam à distância a estudar nas escolas na Ucrânia, especialmente, as que não foram destruídas, porque há cidades – por exemplo as que estão ocupadas – onde as coisas não funcionam mas aí o Ministério da Educação da Ucrânia tem outras escolas que substituem essas. Mas o problema é outro: é que conforme a lei, essas crianças que residem em Portugal têm obrigação de ir à escola, senão os pais podem ter problemas. Ainda não há casos desse tipo de problemas, ou seja, não casos mas temos tido contacto de vários autarcas de Portugal que nos pedem ajuda para contactar famílias para elas irem à escola porque se elas não forem à escola e não se matricularem estão a quebrar a lei portuguesa. Não podemos permitir que isso aconteça, pelo que temos que tentar cumprir as leis.
E há alguma intervenção ao nível da Psicologia para acudir essa situação?
Sim, nestas escolas estamos a trabalhar com eles. Não são escolas convencionais. Nós chamamos de Centro Educativo Cultural. Trabalhamos com essas crianças dando aulas do português. O que é bom nessas escolas é que, por um lado, temos crianças que já nasceram cá, que frequentam a escola e conhecem a realidade, para quem Portugal é pátria -ou vivem cá muito tempo, ou nasceram cá – e elas ajudam a explicarem a essas crianças na integração. Do outro lado, sentimos isso na escola: os professores e até as próprias crianças tentam ajudar aos demais. Tenho uma sobrinha que tem 15 anos e que diz que não quer ir à escola, pois quer regressar à Ucrânia até porque quase todos os amigos já regressaram ou estão no caminho de regresso. Mas estou a ver que por parte da direção da escola e de colegas seus e das crianças tem muito apoio e isso é muito positivo em Portugal.
Quais são os próximos passos depois da manifestação em frente à embaixada do Irão na segunda-feira?
Ao nível de apoio político (ao governo da Ucrânia) vamos continuar a fazer algumas manifestações para lembrar que essa guerra continua e que todos os dias há mortes infelizmente. Não sabemos como vai ser desenvolvida essa guerra. Esperamos que o apoio que a Ucrânia começou a receber, tais como as últimas notícias de que Portugal vai treinar soldados ucranianos é um passo muito positivo. (A nível de ação solidariedade) estamos a fazer uma campanha de angariar roupas quentes, uma vez que começa o inverno e estamos a enfrentar problemas com eletricidade. Felizmente temos várias associações portuguesas que nos estão a ajudar, até porque algumas são propriamente elas que começaram a campanha. É muito positivo e estamos a ver que, embora (o nível de mobilização) não seja tão forte como foi no início da guerra a 24 de fevereiro mas essa campanha de apoio continua, mesmo com esses problemas económicos que Portugal e o mundo todo agora enfrentam esperamos que as pessoas não percam vontade de ajudar. E isso dá mais uma razão para pensarmos que vamos ganhar. (MM)