O Jornal É@GORA escolheu a Comunidade Ucraniana em Portugal como a figura do Imigrante do Ano 2022. A indicação incide sobre todo o cidadão da Ucrânia que reside no território português – desde o anónimo ao mais destacado indivíduo dessa comunidade. São várias as razões para a decisão. A explicação cobriria todo alfabeto de A a Z, mas decidimos resumir a justificação em 10 pontos. Os seguintes:
Amor – A forma como os cidadãos ucranianos se uniram em prol da causa que os aflige desde o dia 24 de fevereiro de 2022 demonstra apenas uma coisa: Amor. E uma das várias formas de manifestação plena deste sentimento tem sido a reiterada lição que a comunidade ucraniana vem dando a conhecer ao mundo sobre o verdadeiro sentido do “eu” coletivo. O movimento que se assiste em Portugal, um dos principais países de acolhimento dos ucranianos a nível mundial, é a maior prova disso: os que ontem eram apenas concidadãos que partilhavam um território hoje a braços com uma guerra desnecessária, passaram a ser na diáspora uma única família nas cidades e autarquias que os acolheram de norte a sul e nas ilhas portuguesas.
Bondade – A melhor forma de demonstrar o amor é dispor-se ao outro de maneira natural promovendo o bem. Nisso, a comunidade ucraniana tem sido exemplar. É enorme a benevolência que tem demonstrado entre si e perante os seus novos concidadãos do país que os acolheu: Portugal. O sistemático agradecimento que vemos a liderança da comunidade ucraniana em Lisboa deixar ficar aos portugueses é prova inequívoca desta boa índole dos ucranianos.
Consciência – Recuando no tempo, fica-se com uma verdadeira noção da mudança do perfil do migrante ucraniano em Portugal. Se nos anos 90 e inícios do século XXI eram recorrentes as notícias negativas relacionadas com a comunidade ucraniana, hoje é notória a maneira exemplar como a mesma tem demonstrado a sua intervenção cívica fruto da plena consciência do conceito de cidadania e da ética republicana.
Determinação – É inegável a forma determinante como os ucranianos decidiram dentro e fora do seu território travar uma luta ferrenha em prol da Europa. A resistência diária de quem (re)começou a vida do zero numa migração forçada para Portugal é não só um ato histórico como também é um exercício constante de grande heroicidade. A quase totalidade dos ucranianos são cidadãos com uma boa formação académica. Hoje fizeram o downgrade profissional e recomeçaram do zero. Nesse ponto, a determinação dos ucranianos representa o exemplo de luta de uma comunidade migrante pelo futuro da civilização europeia.
Emancipação – A Ucrânia moderna sempre demonstrou forte interesse em fazer parte do mundo Ocidental. O seu sentido de pertença a esse espaço geográfico, político e cultural, através dos vários esforços visando a obtenção de direitos políticos ou de igualdade traduzem esse desejo sincero de emancipação na comunidade europeia. A nível de Portugal, a luta pela integração numa sociedade cada vez mais cosmopolita tem sido notória com cada vez mais cidadãos e cidadãs ucraniano/as a construírem famílias com outras nacionalidades residentes em e de Portugal.
Estatística – A escolha dos refugiados Ucranianos por Portugal tem sido testemunhada diariamente através da atualização da informação oficial sobre os pedidos de proteções temporárias a pessoas que fugiram da guerra na Ucrânia. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) anunciou que Portugal já atribuiu mais de 56.000 destes pedidos, dos quais cerca de um quarto foram concedidas a menores. Não se trata de mera estatística, mas do poder que cada um desses cidadãos terá na alteração da crise demográfica portuguesa e no rumo que, enquanto contribuintes, esse grupo social dará ao futuro da economia nacional e europeia.
Fraternidade – A comunidade ucraniana em Portugal quebrou todos as lógicas de definição da fraternidade universal que, resumidamente, designa a boa relação entre os humanos. A nível da própria comunidade tem sido incansável o esforço de partilha entre os concidadãos ucranianos do pouco que (re)adquiriram nos últimos tempos difíceis. Mas essa é uma luta constante que tem vindo a transpor os novos círculos de amizades onde os ucranianos desenvolvem sentimentos de afeto próprios dos irmãos de sangue. Esse exercício é testemunhado sobretudo nas sucessivas manifestações contra a guerra organizadas incansavelmente pelos ucranianos em Portugal. Nesses locais que, de resto, são o palco especial de união e fraternidade, povos do mundo inteiro cruzam-se nas várias praças onde a luz que resplandece do telemóvel de cada presente traduz a vontade conjunta de um amanhã sereno longe das ações cruéis vindas das trevas do país invasor: a Rússia.
Fito – A Europa assiste a um conflito que faz uma rutura total entre o passado recente estável e um futuro incerto. Mas numa Ucrânia que há quase 300 dias assolada pela guerra resta um desígnio que permanece inabalável: a ideia de paz permanente num Estado que luta pela sua soberania. O contributo da comunidade ucraniana em Portugal tem sido imprescindível nesse fito de proporcionar a paz a um povo que resiste dentro do território da Ucrânia com forte apoio da sua diáspora.
Língua – As autoridades portuguesas estimam que os ucranianos em Portugal representam hoje “qualquer coisa como 1%” da população portuguesa. Há dois impactos deste marco na rápida materialização dos objetivos de Portugal visando promover o português no mundo: primeiro, o aumento de número de novos falantes da língua portuguesa por um grupo populacional em crescendo no território português, com a forte possibilidade de o português estar cada vez mais presente no leste europeu assim que a guerra na Ucrânia terminar. Nessa altura, a palavra portuguesa saudade poderá traduzir melhor o vínculo dos ucranianos em Portugal e dos que estão envolvidos no atual processo de acolhimento de refugiados; segundo, a eventual presença constante de um novo idioma no quotidiano português: o ucraniano, língua falada pela comunidade ucraniana que irá permanecer cá cada vez mais preservando o seu vernáculo nas regiões portuguesas por onde ela está espalhada. A escolha dos ucranianos por Portugal contribuirá para a introdução de novas dinâmicas da língua portuguesa, promovendo uma melhor e maior interação entre os povos. A língua é um veículo de inclusão, expansão da cultura e o seu domínio contribui sempre para uma melhor compreensão do nosso interlocutor.
Lição – A maior lição que a comunidade ucraniana hoje residente em Portugal dá ao mundo a partir do território nacional é uma e única: que a imigração tem sempre um peso no futuro. (MM)
Manuel Matola