Manuel Matola
Aos 19 anos, o escritor angolano Nilton Matias tornou-se no biográfico oficial de Eduardo Paim, “o pai da Kizomba”, que este fim de semana voltou ao palco principal dos maiores sucessos dos seus 47 anos de carreira: Lisboa, a capital portuguesa, de onde o estilo musical contemporâneo angolano migrou para as pistas de dança em todo o mundo. O jornal É@GORA entrevistou Nilton Matias sobre esta missão que se insere num projeto literário designado Pensar Negro.
Que projeto é esse?
O Pensar Negro é um projeto literário [que desde janeiro Nilton Matias desenvolve] em Angola para levar conhecimento e despertar mentes e apelar às pessoas para lutarem contra os males sociais que têm estado a proliferar pelo mundo. São questões que a dado momento relevam a nossa vida e, se calhar, o nosso comportamento, mas não ditam muito da nossa trajetória. Vamos passar um pouco por todas as províncias de Angola onde se vão desenvolver conversas temáticas [em forma] de palestras. Queremos convidar figuras públicas de diversas áreas, desde música, artes plásticas, literatura para compartilhar conhecimento e agregar algum valor nos jovens que farão parte dessas atividades. O Pensar Negro é mostrar ao jovem que enfrenta problemas de pensamento. Na realidade ele deve pensar além do preconceito, não deve ficar preso e deve pensar fora da caixa. Àqueles jovens que querem singrar na vida e atingir altos patamares, não só a nível das artes, é necessário fazê-los pensar fora da caixa a acreditarem. Um aspeto curioso é que vamos realizar essas atividades um pouco por todo o país – a previsão é passar por pelo menos oito províncias. Estamos a pensar convidar editoras para fazerem parte deste evento de modo que a literatura seja bem promovida e as pessoas olhem para o universo literário de uma forma diferente. Queremos fazer com que as pessoas tenham contacto com os escritores e entendam as razões que levam um escritor a escrever um conto, um determinado livros, a conhecerem as editoras e os seus processos de produção de livros. Que tenham um contacto com a literatura, porque acho que as pessoas não amam algo que desconhecem. A gente só ama o que conhece. Então, é necessário conhecer a literatura para criar a paixão e todo o gosto pela literatura.
E isso passa por falar sobre alguns atores angolanos que estão ou estiveram na diáspora?
Os migrantes farão também parte desta didática [até porque] temos angolanos em quase todos o mundo e em Angola temos pessoas que vêm de outras partes do mundo. Algumas lidam com esses males sociais, como o racismo, o preconceito e não só. Vamos convidar também a essas para falarem na primeira pessoa para pensarem além do Racismo. E também colocar literatura, uma vez que a iniciativa está a ser organizada por um escritor, eu no caso. Então estamos a pensar em colocar literatura, exposição de arte…Queremos atingir um bom leque de pessoas que têm a necessidade de Pensar Negro.
E qual é a intervenção do músico Eduardo Paim neste projeto?
Na realidade, Eduardo Paim entra no projeto porque é um modelo de um pensador negro [alguém que] por pensar além da caixa conseguiu atingir o reconhecimento, essa toda glória. Tenho a certeza, fruto da conversa que eu tive com ele eu consegui perceber isso, tudo começou na mente do Eduardo ao acreditar que é possível levar isso [criar a Kizomba] bem mais a sério e ver algum lucro, algum sustento nisso, ver isso numa perspetiva bem mais ampla. Ele é um modelo que vai fazer parte deste projeto. Lembro-me agora de uma pequena história que ele conto. Na altura em que fazia o seu ensino médio, [momento] em que decidiu levar a música algo bem mais sério, teve um pequeno problema por parte dos pais em aceitarem aquela proposta. Ao comentar com os pais que decidiu levar a música mais a sério, não foi assim bem recebido. Levou tempo para que os pais aceitassem, mas ele por Pensar Negro, por pensar fora da caixa, acreditar e persistir hoje se tornou numa referência. E hoje é um dos expoentes da música angolana. Fará parte porque faz sentido Eduardo Paim fazer parte tal como faz sentido a outras pessoas que também farão parte do projeto porque são modelos que coadunam perfeitamente com o tema, pois lutaram por Pensar Negro. O querer crescer, levar a coisa mais a sério, fazer disso uma parte de si – seja a música, a literatura ou outro sonho – começa na mente. É necessário pensar além. Obviamente, com relação ao Eduardo, acredito que havia pessoas que não apoiavam assim tanto [a sua ideia] e lhe disseram ‘não vais conseguir’. É inevitável não falar disso: pessoas que desacreditam e vão de certa forma com palavras e até mesmo ações nos desmotivar. Mas é necessário Pensar Negro, pensar além deles, olhar para esta situação e dizer não. Aquilo que dizem pode até ser relevante, deixar-me bem farto e um pouco frustrado, mas eu tenho que ter a noção de que isso não vai determinar o meu sonho e até onde eu quero chegar. Por isso é necessário o Pensar Negro.
Como é que chegam ao Eduardo Paim e qual foi o propósito ao falar com ele e não falar, por exemplo, com o C4 Pedro ou Anselmo Ralph?
O contacto com Eduardo Paim começou com o [DJ] Carlos Pedro, [agente do músico] a quem expliquei a ideia de convidar Eduardo Palm para fazer parte do projeto e ouvir o seu ponto de vista quanto a essa questão. Sem nenhuma burocracia achou por bem o projeto e direcionou-me ao Eduardo.
Mas porquê Eduardo Paim?
Porque é considerado “o pai da Kizomba”, um estilo musical que hoje transcende o mundo e vai crescer cada vez mais. Por ser um estilo nosso e ele crescer dentro de algo que surgiu e é feito em Angola é bem mais inspirador. Como ele próprio diz, não criou propriamente a Kizomba como tal. Ele juntou o semba e estilos que já existem e deu a Kizomba, que significa festa no nosso idioma. E fez com que fosse um estilo que é referência [global e que muita gente olhasse para o estilo e dissesse: é uma coisa boa e agora vou levar avante. É bem mais inspirador. É alguém que teve que pensar diferente, além das pessoas que o desacreditavam, inovou e criou um estilo de música diferente e que hoje tem estado a progredir. O olhar é bem mais diferente.
Quais são episódios curiosos que ele terá contado e que vão fazer parte deste livro, coisas que pode partilhar neste momento?
Saber de algumas memórias que marcaram a infância do Eduardo Paim, para mim foi do género “wow”: saber que ele conviveu com pessoas cujos nomes só conhecia da História de Angola. Nomes de angolanos que no processo de luta armada contribuíram em prol da libertação do país. Ele conviveu com essas pessoas, [como por exemplo] Lúcio Lara [co-fundador do Movimento de Libertação de Angola – MPLA, hoje partido no poder] e várias outras entidades. Ele fala na primeira pessoa porque conviveu com essas entidades. A História não descreve basicamente como as pessoas eram em termos de comportamento. A História vai desenvolver os feitos, mas um aspeto curioso é que o Eduardo também vai falar, se calhar, do comportamento e o perfil dessas pessoas com quem conviveu [pois], durante algum tempo praticamente foi um membro, um filho dessas famílias Outro aspeto é a postura do Eduardo: não ser alguém dependente. As coisas dependem dos dois intervenientes. Quando a gente conversava ele deu como exemplo um carro [dizendo o seguinte: imagina que] as pessoas são um carro avariado. Ninguém caminha só. As pessoas dependem dos outros. É necessário um apoio, mas as pessoas devem apoiar daqui até, por exemplo, cinco quilómetros, mas depois destes cinco quilómetros tens que virar e andares sozinho que é para não viveres sob dependência de terceiros porque para não veres isso como um sentido da vida. É necessário seres dependente [temporariamente], é bom quando as pessoas te ajudam, mas é preciso acreditares em ti, teres toda a força, toda a energia, todo pensamento positivo, todo bom ânimo tem que sair de ti e acreditares que aquilo que gostas de fazer, em que tens paixão e prazer de fazer, se calhar, pode trazer coisa boa. É uma mensagem bastante inspiradora. O conselho dele de vida é um aspeto que também me marca bastante. A maneira dele refletir determinados assuntos – tanto que as pessoas vão ver no livro porque ele se vai posicionar em relação a alguns aspetos.
Outros exemplos
Uma outra coisa importante vai ser o posicionamento dele aquando da proliferação da Kizomba. Muita gente desconhece a origem e a pura essência da Kizomba. Ele vai falar sobre isso. Vai contar como é que a Kizomba surgiu e a história da Kizomba. Para quem gosta do estilo e da dança, se calhar, desconhece quem é “o pai da Kizomba” por que foi colocado esse nome Kizomba. Tudo isso ele vai colocar nesse livro.
Por que ele é considerado o pai da Kizomba?
Porque também temos ouvido alguns rumores de pessoas que se intitulam pai da Kizomba quando pai só tem um, neste caso, Eduardo Paim. Neste livro, ele faz questão colocar alguns materiais que vão sustentar essa afirmação de que ele é realmente “o pai da Kizomba”. Vamos falar de muita coisa boa nesse livro.
Como é que está estruturado o livro?
O livro tem [capítulos com] um pouco de histórias que marcam a infância do Eduardo Paim, da sua juventude, escola, amizades. Vamos ter também o seu posicionamento sobre esta questão do Pensar Negro, o início de carreira, a visão sobre a Kizomba, o seu ponto de vista sobre aquilo que é a [migração da] Kizomba pelo mundo.
Quantas pessoas poderão fazer parte do projeto, das que pensa entrevistar, levá-las para palestras e depois compilar as suas histórias e ideias no livro? Ou só vão ser as ideias do Eduardo Paim e as outras vão estar somente nas palestras?
No livro vamos ter também ideias de pessoas que são da mesma época do Eduardo Paim, das pessoas que não são da mesma época do Eduardo e das que encontraram a Kizomba bem definida.
Ou seja, vão dar o seu testemunho tendo como centro o Eduardo Paim?
Certo. É um livro que vai prestar um tributo ao Eduardo Paim por conta dos feitos do próprio. Já são 47 anos de carreira. É muita coisa, então acho que é chegado o tempo de prestarmos o tributo em vida. Um reconhecimento pelo que tem estado a fazer pela Kizomba, pela música angolana e pela cultura.
Há um número, mais ou menos, de quantas pessoas serão ouvidas para dar o seu testemunho?
Na verdade ainda não temos uma ideia de um número definitivo. Fica complicado dar. Vamos colocar poucos mas que façam sentido. Se colocarmos muitos se calhar também farão sentido.
Quando é que pensa lançar o livro?
A previsão é o final de 2023.
Quando é que começou o processo de produção: os primeiros contactos e a escrever?
Em novembro de 2022.
Está sempre a falar no plural, nós. Enquanto autores quantas pessoas estão envolvidas no projeto de produção do livro?
Enquanto autor só estou eu, mas há uma estrutura que está a analisar o livro, a fazer correções, a ajudar para que seja uma obra de responsabilidade, para que seja um material com mais qualidade e muito bem estruturado. Temos pessoas do nível da literatura, temos também editores. É uma equipa. Há gente a trabalhar nesse projeto pese embora seja o Nilton [o autor], mas há gente a trabalhar por detrás deste projeto. Mais do que lançar um livro a gente quer lançar um livro de qualidade que agrega valor às pessoas.
Como é que descreveria o Nilton para que as pessoas possam saber um pouco mais de si?
[Nilton Matias] é um jovem escritor angolano com vontade de promover a todos os níveis a literatura e para os seus projetos: obras literárias que contribuam significativamente para o bem-estar social. Enquanto escritor eu acredito que todo o artista tem um valor fundamental em qualquer sociedade [isso porque] pode contribuir de forma favorável ou desfavorável para o bem social desse país. Enquanto escritor eu tenho essa preocupação: colocar conhecimento e muita coisa boa que eu tenho capacidade e que de forma favorável contribua para mudar a vida social. Ou seja, é tentar contribuir para o meu país e para o mundo através da minha arte. [Nilton Miranda] é um jovem com ideias super promissoras em torno da literatura.
Quantos anos o Nilton tem agora?
Tenho 19 anos.
Qual é o curso que está a fazer?
Estou a frequentar o primeiro ano da Universidade, curso de Gestão de Recursos Humanos e Marketing.
Este é o primeiro livro?
Não. Será o segundo livro.
Fale um bocado do primeiro livro. Qual é o título e qual é a abordagem?
O meu primeiro livro é “Sexo só depois do Casamento?! E se ele for ‘mbaco’?”
O que é “mbaco”?
É uma expressão que a gente usa aqui em Angola, é gíria e significa uma pessoa que não consegue reproduzir. Um estéril. Ou seja, “Sexo só depois do Casamento?! E se ele for ‘mbaco’?” é um livro em que a personagem principal é uma jovem, Nzila, que perdeu os seus pais num trágico acidente de viação e depois foi rejeitada pela família, mas de forma ilegal foi adotada por um pastor cujo nome é Félix que a acolheu, deu sustento, educação e colocou-a numa escola. E por ele ser pastor colocou Nzila dentro dos seus princípios que são princípios religiosos. Nzila era uma jovem muito inteligente, que sabia muito bem o que queria, com uma vontade de crescer e com princípios cristãos. Com o passar do tempo, assim que se formou, Nzila encontra-se com um jovem, Mwana, que desperta alguma coisa: aquele amor de juventude. No momento não houve nada. Passa algum tempo e, por ironia do destino, reencontram-se, começam a namorar. Durante algum tempo ambos respeitavam os seus princípios, embora o namorado não tivesse princípios. Havia choque de princípios, de ideias. Passados quatro anos, o namorado começou a exigir sexo (…) A Nzila foi procurar conselho de amigas e de pessoas mais velhas. Tempos depois ela deu um não e pediu para que ele respeitasse os seus princípios dizendo que eram esses princípios que a definem, que são a sua essência (…) É um conto que passa uma grande lição. É um livro que mostra que os homens não conseguem controlar as mulheres, nem as mulheres conseguem controlar os homens. Ninguém é dono de ninguém. Tu não precisas ser obsessivo, não precisas ser controlador. Apenas precisas conversar, fazer passar os teus princípios. Resumidamente; é um conto que fala sobre a necessidade de se fazer conhecer. É muito aconselhável fazer-nos conhecer pelos nossos princípios e não um simples desejo. Os princípios definem-nos, os princípios dizem mais de nós.
Quando é que lança?
Sai no próxima mês de maio.
Quantas páginas tem?
Está com 78, poucas páginas. (MM)