A Rússia afirmou que algumas sanções ocidentais devem ser suspensas antes que um cessar-fogo marítimo com a Ucrânia possa entrar em vigor.
Poucas horas depois dos EUA anunciarem que ambas as partes concordaram em interromper ataques no Mar Negro através de acordos separados, o Kremlin declarou que a medida só avançaria quando fossem levantadas as restrições a vários bancos russos.
Entre as exigências está a revogação das sanções ao banco agrícola estatal russo, Rosselkhozbank, e a restauração do seu acesso ao sistema internacional de pagamentos Swift.
Durante a noite, Moscovo lançou um ataque com drones contra a cidade portuária de Mykolaiv, segundo autoridades ucranianas. O presidente Volodymyr Zelensky afirmou que os ataques são “um sinal claro” de que a Rússia não quer a paz.
Após a invasão em grande escala da Ucrânia, a UE e os seus aliados suspenderam o acesso ao Swift para várias instituições financeiras russas, com o objetivo de dificultar transações instantâneas e afetar o pagamento das exportações de energia e produtos agrícolas do país.
Reverter essa decisão exigiria aprovação da União Europeia, algo incerto tendo em conta o apoio contínuo da Europa a Kyiv. Um porta-voz da Comissão Europeia reiterou que a retirada total das forças russas da Ucrânia continua a ser uma das principais condições para qualquer alteração ou levantamento das sanções.
Na terça-feira, o presidente dos EUA, Donald Trump, sugeriu que a Rússia pode estar a tentar adiar o fim da guerra.
“Acredito que a Rússia quer ver um desfecho, mas também pode estar a ganhar tempo. Já vi isso acontecer ao longo dos anos”, disse Trump em entrevista à Newsmax.
O cessar-fogo marítimo foi anunciado pelos EUA após três dias de negociações de paz na Arábia Saudita. No entanto, tanto Kyiv como Moscovo divulgaram declarações contraditórias sobre os detalhes do acordo, incluindo quando e como ele entraria em vigor.
Zelensky afirmou que o acordo não exige a suspensão de sanções para ser implementado e que deveria ter efeito imediato. Segundo ele, a posição do Kremlin é uma tentativa de “manipular” os termos do pacto.
O Mar Negro não tem sido o centro dos combates há algum tempo. Nos primeiros meses da guerra, a Ucrânia conseguiu atingir a frota russa nos portos da Crimeia e, no verão passado, afirmou ter destruído 28 navios russos. Com o que restou da frota russa a deslocar-se para portos no sul e no leste, incluindo na Abcásia, a Ucrânia tem conseguido exportar mercadorias – com as exportações de cereais a aproximarem-se dos níveis pré-guerra – através de rotas que seguem a costa ocidental do Mar Negro.
Por isso, um cessar-fogo marítimo – caso seja concretizado – dificilmente alterará o equilíbrio do conflito, que continua a ser travado principalmente em terra.
Contudo, a professora Jenny Mathers, especialista em política russa na Universidade de Aberystwyth, acredita que o acordo daria uma “grande vantagem” à Rússia, que tem enfrentado dificuldades para exportar os seus produtos agrícolas.
“A Ucrânia tem conseguido escoar grande parte da sua produção agrícola pelo Mar Negro e também tem atacado eficazmente embarcações russas, razão pela qual Moscovo não o utiliza neste momento”, explicou Mathers.
O Acordo do Mar Negro para Exportação de Cereais, assinado em 2022, permitia o trânsito seguro de navios comerciais de e para a Ucrânia, enquanto a ONU ajudava a Rússia a garantir a exportação dos seus produtos alimentares e fertilizantes para os mercados internacionais.
A Rússia abandonou o acordo no verão de 2023, argumentando que as sanções financeiras estavam a prejudicar as suas exportações, e avisou que consideraria qualquer embarcação com destino à Ucrânia um potencial alvo militar.
Na quarta-feira, a ONU afirmou que a liberdade de navegação no Mar Negro é “crucial para a segurança alimentar global e para as cadeias de abastecimento”.
Um porta-voz das Nações Unidas disse que a organização está a trabalhar com a Rússia para facilitar a exportação dos seus produtos agrícolas e fertilizantes.
Onde um cessar-fogo marítimo poderia ter impacto
A principal mudança provocada por um cessar-fogo no Mar Negro seria a proteção dos portos ucranianos contra ataques aéreos russos.
“Para nós, um cessar-fogo significa, acima de tudo, o fim dos bombardeamentos contra infraestruturas portuárias civis”, afirmou Dmytro Pletenchuk, porta-voz da marinha ucraniana.
“Atualmente, temos o controlo da situação no mar – no Mar Negro, no Mar de Azov e nas águas ao redor da Crimeia temporariamente ocupada. Por isso, para nós, na marinha ucraniana, este acordo não mudaria significativamente a situação”, acrescentou.
Após o anúncio do acordo na terça-feira, Washington afirmou que todas as partes continuarão a trabalhar para alcançar “uma paz duradoura e sustentável”, acrescentando que o acordo ajudará a reabrir uma rota comercial crucial.
Ucrânia e Rússia também se comprometeram a “desenvolver medidas” para implementar a proibição previamente acordada de ataques à infraestrutura energética de ambas as partes, segundo a Casa Branca.
O Mar Negro localiza-se a sul da Ucrânia e a oeste da Rússia, fazendo fronteira também com a Roménia, Bulgária, Turquia e Geórgia. Além disso, banha áreas da Ucrânia ocupadas pela Rússia, incluindo a Crimeia.