Segundo um novo estudo por uma equipa interdisciplinar de cientistas da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, a quantidade de elementos radioativos incorporados num planeta rochoso enquanto este se forma pode ser um fator crucial na determinação da sua futura habitabilidade.
Isso porque o aquecimento interno derivado do decaimento radioativo dos elementos pesados tório e urânio alimenta as placas tectónicas e pode ser necessário para o planeta gerar um campo magnético. O campo magnético da Terra protege o planeta dos ventos solares e dos raios cósmicos.
A convecção no núcleo metálico líquido da Terra cria um dínamo interno (o “geodínamo”) que produz o campo magnético do planeta.
O suprimento de elementos radioativos da Terra fornece aquecimento interno mais do que suficiente para gerar um geodínamo persistente, de acordo com Francis Nimmo, professor de Ciências da Terra e Planetárias da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e autor principal de um artigo sobre as novas descobertas, publicado no passado dia 10 de novembro na revista The Astrophysical Journal Letters.
“O que percebemos foi que diferentes planetas acumulam diferentes quantidades destes elementos radioativos que, em última análise, alimentam a atividade geológica e o campo magnético,” explicou Nimmo. “De modo que pegámos num modelo da Terra e ajustámos a quantidade de produção interna de calor radiogénico para cima e para baixo para ver o que acontecia.”
O que descobriram é que se o aquecimento radiogénico for maior do que o da Terra, o planeta não pode sustentar permanentemente um dínamo, como a Terra o faz. Isto ocorre porque a maior parte do tório e do urânio vão para o manto, e o calor em excesso no manto atua como um isolante, evitando que o núcleo derretido perca calor rápido o suficiente para gerar os movimentos convectivos que produzem o campo magnético.
Com um aquecimento interno radiogénico mais alto, o planeta também tem muito mais atividade vulcânica, o que pode produzir eventos de extinção em massa frequentes. Por outro lado, muito pouco calor radioativo resulta no cessar do vulcanismo e num planeta geologicamente “morto”.
“Apenas mudando esta única variável, passamos por estes vários cenários, de geologicamente morto, a parecido com a Terra, a extremamente vulcânico sem dínamo,” disse Nimmo, acrescentando que estes achados justificam estudos mais detalhados.
“Agora que vemos as implicações importantes de variar a quantidade de aquecimento radiogénico, o modelo simplificado que usámos deve ser verificado por cálculos mais detalhados,” disse.
Habitabilidade
Um dínamo planetário está vinculado à habitabilidade de várias maneiras, de acordo com Natalie Batalha, professora de astronomia e astrofísica cuja Iniciativa de Astrobiologia na mesma universidade gerou a colaboração interdisciplinar que deu origem a este artigo científico. “Há muito que se especula que o aquecimento interno impulsiona as placas tectónicas, que criam um ciclo de carbono e uma atividade geológica como o vulcanismo, o que produz uma atmosfera,” explicou Batalha.
“E a capacidade de reter uma atmosfera está relacionada com o campo magnético, que também é impulsionado pelo aquecimento interno.”
O coautor Joel Primack, professor emérito de física, explicou que os ventos estelares, fluxos rápidos de material ejetado das estrelas, podem corroer continuamente a atmosfera de um planeta se este não tiver um campo magnético.
“A ausência de um campo magnético é aparentemente parte da razão, juntamente com a sua gravidade mais baixa, porque Marte tem uma atmosfera muito fina,” disse. “Costumava ter uma atmosfera mais espessa, e durante algum tempo teve água à superfície. Sem a proteção de um campo magnético, passa muito mais radiação e a superfície do planeta também se torna menos habitável.”
Primack observou que os elementos pesados cruciais para o aquecimento radiogénico são produzidos durante a fusão de estrelas de neutrões, que são eventos extremamente raros. A formação destes elementos, chamados elementos do processo R, durante as fusões de estrelas de neutrões, tem sido o foco da investigação do coautor Enrico Ramirez-Ruiz, professor de astronomia e astrofísica.
“Esperaríamos uma variabilidade considerável nas quantidades destes elementos incorporados em estrelas e planetas, porque depende de quão próxima a matéria que os formou estava de onde estes eventos raros tiveram lugar na Galáxia,” disse Primack.
Os astrónomos podem usar a espectroscopia para medir a abundância de diferentes elementos nas estrelas, e espera-se que as composições dos planetas sejam semelhantes às das estrelas que orbitam. O elemento raro európio, que é facilmente observado nos espectros estelares, é criado pelo mesmo processo que produz os elementos radioativos de vida mais longa, tório e urânio, de modo que o európio pode ser usado como rastreador para estudar a variabilidade desses elementos nas estrelas e planetas da nossa Galáxia.
Gama natural
Os astrónomos obtiveram medições de európio para muitas estrelas na nossa vizinhança galáctica. Nimmo foi capaz de usar essas medições para estabelecer uma gama natural de dados para os seus modelos de aquecimento radiogénico. A composição do Sol está no meio dessa faixa. Segundo Primack, muitas estrelas têm metade do európio do Sol em comparação com o magnésio, e muitas estrelas têm até duas vezes mais do que o Sol.
A importância e variabilidade do aquecimento radiogénico abre muitas novas questões para os astrobiólogos, disse Batalha.
“É uma história complexa, porque ambos os extremos têm implicações para a habitabilidade. Precisamos do aquecimento radiogénico para sustentar as placas tectónicas, mas não tanto ao ponto de desligar o dínamo magnético,” explicou.
“Em última análise, estamos à procura das ‘moradias’ mais prováveis da vida. As abundâncias de urânio e tório parecem ser fatores-chave, possivelmente até outra dimensão para definir um planeta na zona habitável.”
Usando medições de európio das suas estrelas para identificar sistemas planetários com diferentes quantidades de elementos radiogénicos, os astrónomos podem começar a procurar diferenças entre os planetas desses sistemas, disse Nimmo, especialmente depois do lançamento do Telescópio Espacial James Webb. “O JWST será uma ferramenta poderosa para a caracterização das atmosferas exoplanetárias,” salientou.
Além de Nimmo, Primack e Ramirez-Ruiz, os coautores do estudo incluem Sandra Faber, professora emérita de astronomia e astrofísica, e o pós-doutorado Mohammadtaher Safarzadeh.