Uma norte-americana infetada com covid-19 libertou partículas virais durante 70 dias, o que significa que o vírus se manteve no seu organismo durante todo esse tempo, apesar de nunca ter apresentado sintomas da doença.
De acordo com um novo relatório, publicado na Cell na quarta-feira e citado pela Live Science, a mulher, de 71 anos e que sofria de leucemia, tinha o sistema imunitário enfraquecido. Embora os investigadores já suspeitassem que pessoas nessas condições pudessem manter o vírus durante mais tempo, as evidências eram poucas.
Os resultados agora apresentados contradizem as diretrizes dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), que afirmam que a infeção não dura mais mais que 20 dias. Esta descoberta sugere que “a libertação de vírus a longo prazo pode ser uma preocupação em certos pacientes imunocomprometidos”, escreveram os autores.
“À medida que este vírus continua a se espalhar, mais pessoas com uma variedade de distúrbios imunossupressores serão infetadas, e é importante entender como o SARS-CoV-2 se comporta nessas populações”, indicou em comunicado o virologista Vincent Munster, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infeciosas.
A mulher foi infetada no final de fevereiro, durante o primeiro surto de covid-19 no país, no centro de reabilitação do Life Care Center em Kirkland, em Washington, nos Estados unidos (EUA), onde era paciente. Foi hospitalizada devido a uma anemia, em 25 de fevereiro, tendo os médicos confirmado que estava positiva para a covid-19 a 02 de março.
Nas 15 semanas seguintes, foi testada mais de uma dúzia de vezes, tendo o vírus sido detetado no seu trato respiratório superior durante 105 dias. Já as partículas infeciosas – responsáveis por espalhar a doença – foram detetadas por pelo menos 70 dias.
Normalmente, as pessoas com covid-19 ficam infetadas cerca de oito dias, referiu o relatório. Antes deste caso, a duração mais longa do vírus num paciente foi de 20 dias. Para os autores, a mulher ficou infetada durante muito tempo porque o seu organismo não conseguiu ter a resposta imunitária adequada. As suas amostras de sangue não pareciam conter anticorpos contra o vírus.
A paciente foi submetida a dois tratamentos com plasma de pessoas recuperadas da covid-19, que continham anticorpos contra a doença. Acabou por eliminar a infeção após o segundo tratamento, embora não se confirme se foi devido ao plasma.
Os autores realizaram ainda o sequência genética do vírus ao longo do tempo em que a mulher esteve infetada, verificando que este teve várias mutações. Estas, no entanto, não afetaram a velocidade de replicação do vírus. Também não encontraram evidências de que essas mutações dessem ao vírus uma vantagem de sobrevivência.
Segundo os autores, a eliminação do vírus por parte da paciente deve ser analisada em pesquisas futuras, que envolvam mais casos com sistema imunológico enfraquecido.
“O estado de imunocomprometimento permitiria que o vírus se propagasse do trato respiratório superior (cenário de resfriado comum) para o trato respiratório inferior (pneumonia)”, disse Munster à Live Science. “Mesmo que a paciente tenha estado infetada por 105 dias, isso não aconteceu, permanecendo um mistério para nós”, referiu.
Os investigadores sublinharam que estudaram apenas um caso e, portanto, os resultados não se podem aplicar a todos os pacientes com o sistema imunitário enfraquecido.
Estima-se que 3 milhões de pessoas nos EUA tenham uma condição imunocomprometida, incluindo pessoas com VIH, bem como outras que recebem transplantes de células-tronco, transplantes de órgãos e quimioterapia.
“Compreender o mecanismo de persistência do vírus e eventual eliminação [em pacientes imunocomprometidos] será essencial para fornecer o tratamento adequado e prevenir a transmissão do SARS-CoV-2″, concluíram os autores.