Uma misteriosa doença cardíaca matou, de repente, mais de uma dúzia de jovens e saudáveis membros da comunidade Amish, um grupo religioso cristão anabatista sediado nos Estados Unidos e Canadá.
Esta semana, os médico da Mayo Clinic anunciaram que desvendaram o mistério: a causa está numa mutação genética anteriormente desconhecida que corre nas famílias da comunidade.
Michael Ackerman, autor do estudo e cardiologista e professor da Faculdade de Medicina e Ciência da Mayo Clinic, também é diretor do Laboratório de Genómica da Morte Súbita de Windland Smith Rice, da Mayo Clinic.
Durante anos, o laboratório investigou casos em que pessoas aparentemente saudáveis morreram sem uma causa clara, na esperança de descobrir novas formas de os nossos genes nos poderem enviar para um túmulo precocemente. Em muitos desses casos, o coração das pessoas simplesmente parou de bater, uma condição também conhecida como paragem cardíaca.
Como normalmente acontece em comunidades mais pequenas e isoladas, os Amish têm mais em comum geneticamente entre si do que as pessoas que vivem numa comunidade moderna típica. Quanto menos geneticamente diversificada for uma população, mais fácil é a emergência de condições genéticas prejudiciais e a transmissão para a geração seguinte.
Estas condições são, normalmente, recessivas, o que significa que é necessário ter duas cópias da mutação genética – uma herdada de cada pai – para que os sintomas apareçam. Aqueles que têm apenas uma cópia da mutação não têm problemas de saúde e, mesmo que tenham filhos com alguém com uma cópia da mesma mutação, há apenas 25% de probabilidade do filho ter duas cópias.
De acordo com o Gizmodo, Ackerman e a sua equipa suspeitavam que uma mutação recessiva pudesse ser responsável pela morte súbita de dois irmãos, uma vez que a sua árvore genealógica tinha um histórico de ancestrais intimamente relacionados, enquanto os próprios pais pareciam perfeitamente saudáveis.
Tragicamente, mais duas crianças da família também morreriam de paragem cardíaca súbita, seis e oito anos após as primeiras mortes, respetivamente. Todos eles – com menos de 12 anos – brincavam ou faziam exercício fisico pouco antes de morrerem.
Na época das mortes mais recentes, a tecnologia genética tinha avançado. Os cientistas analisaram todo o exoma de uma pessoa, os fragmentos de ADN que programam as nossas células para produzir as proteínas que precisamos para viver e encontraram um provável suspeito: uma duplicação de ADN encontrada em segmentos do gene RYR2, bem como noutra região que controla a sua expressão.
O gene RYR2 ajuda a regular os canais de libertação de cálcio do músculo cardíaco (CRC). Os canais precisam de gerir cuidadosamente o fluxo de cálcio dentro e fora das células cardíacas para manter o órgão saudável, como deveria durante os períodos de descanso e stress. Já se sabia que as pessoas têm mutações genéticas que podem deixar os CCR hiperativos – uma condição que também aumenta o risco de morte cardíaca súbita. Esta mutação específica cria o problema oposto, deixando as vítimas com muito poucos CRCs.
As crianças que morreram tinham duas cópias da mutação, enquanto os pais e irmãos não afetados tinham uma ou nenhuma cópia.
Entretanto, apareceu uma segunda família Amish, sem relação com a primeira, que também tinha uma história de jovens saudáveis subitamente a morrer ou sobrevivendo a uma paragem cardíaca. Quase todos com duas cópias do gene morreram ou desenvolveram os sintomas.
Até agora, os cientistas identificaram 23 pessoas com a mutação, sendo que 18 morreram nas duas famílias.
As descobertas da equipa foram publicadas esta semana na revista científica JAMA Cardiology.