Através do uso de amostras de tecido de pacientes que já morreram, uma equipa de investigadores conseguiu desvendar os mecanismos pelos quais o coronavírus é capaz de chegar ao cérebro de pacientes com covid-19 e como é que o sistema imunológico responde ao vírus perante esta situação.
Os resultados, publicados na Nature Neuroscience no fim de novembro, indicam que o coronavírus tem acesso ao cérebro através das células nervosas da mucosa olfatória.
Depois de mais de dez meses a estudar a covid-19, os cientistas perceberam que, afinal, não estão a lidar com uma doença somente respiratória, relata o ABC.
Para além de afetar os pulmões, o vírus pode danificar o sistema cardiovascular, o sistema gastro-intestinal e o sistema nervoso central. Mais de 1 em cada 3 pacientes também sofrem de sintomas neurológicos, desde perda de peso a alterações no paladar ou olfato, dores de cabeça, cansaço, tonturas e náuseas. Em algumas pessoas, a doença pode levar a derrames cerebrais e outras doenças mais graves.
Mas como é que o SARS-CoV-2 chega até ao cérebro? Este é provavelmente o órgão mais bem desenvolvido do corpo humano e a forma como o vírus tem de quebrar as suas defesas era pouco conhecida.
Neste sentido, vários especialistas estudaram amostras de tecido de 33 pacientes (com uma idade média de 72 anos) que morreram após contrair covid-19. Usando tecnologias recentes, os cientistas analisaram amostras retiradas da mucosa olfatória dos doentes falecidos, bem como de quatro regiões diferentes do cérebro.
A equipa encontrou evidências do vírus em diferentes estruturas neuroanatômicas que ligam os olhos, a boca e o nariz ao tronco cerebral. Contudo, foi na mucosa olfatória que se analisou maior carga viral.
“Os nossos dados sugerem que o SARS-CoV-2 é capaz de usar a mucosa olfatória como porta de entrada para o cérebro”, diz o professor Frank Heppner.
O pneumologista explica que “uma vez dentro da mucosa olfatória, o vírus parece usar conexões neuroanatômicas, como o nervo olfatório, para chegar ao cérebro. É importante notar, no entanto, que os pacientes com covid-19 envolvidos neste estudo tinham o que seria definido como doença grave, pertencendo ao pequeno grupo de pacientes nos quais a doença é fatal”.
Desta forma, o especialista alerta que não é necessariamente possível aplicar os resultados deste estudo para casos de pessoas com doença leve ou moderada.
Apesar disso, a forma como o vírus se move nas células nervosas ainda não foi totalmente esclarecida. Contudo, a também autora do estudo, Helena Radbruch explica que é provável que o vírus também seja transportado através dos vasos sanguíneos, visto que a sua presença também foi detetada nas paredes dos vasos sanguíneos cerebrais.
Os investigadores também estudaram de que forma o sistema imunológico responde à infeção por SARS-CoV-2. Além de encontrar evidências de células imunológicas ativadas no cérebro e na mucosa olfatória, detetaram também as assinaturas imunológicas dessas células no fluido cerebral.