Foi uma cerimónia surpresa na Casa Branca, presidida pelo ex-presidente Donald Trump, para anunciar um investimento de 100 mil milhões de dólares daquilo que ele chamou de “a empresa mais poderosa do mundo”, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC).
Mas, a quase 8.000 milhas de distância, o clima esteve longe de ser festivo. Em vez disso, o anúncio chocante reacendeu temores em Taiwan de que a sua indústria de semicondutores de classe mundial poderia estar a ser transferida para os EUA devido a pressões políticas.
O ex-presidente da ilha, Ma Ying-jeou, não perdeu tempo em acusar o Partido Progressista Democrático (DPP), atualmente no poder, de “vender a TSMC” a Trump como uma “taxa de proteção”.
“Esta é uma grave crise de segurança nacional”, escreveu Ma, membro do partido da oposição Kuomintang (KMT), na sua página de Facebook a 4 de março, pouco depois da cerimónia na Casa Branca. “Terá um impacto negativo significativo na confiança da população, nas relações entre os dois lados do estreito e na posição geopolítica futura de Taiwan.”
Para tranquilizar a população, o presidente de Taiwan, Lai Ching-te, apareceu na semana passada ao lado do CEO da TSMC, CC Wei, no gabinete presidencial em Taipé, garantindo que o investimento da empresa nos EUA não comprometeria o seu compromisso nem os planos de expansão na sua base de origem.
A TSMC produz mais de 90% dos microchips avançados do mundo, que alimentam desde smartphones e inteligência artificial até armamento. É por isso que muitos em Taiwan acreditam que a dependência global dos seus semicondutores funciona como um “escudo de silício”, um fator dissuasor contra uma possível invasão chinesa.
O Partido Comunista Chinês reivindica Taiwan como parte do seu território, apesar de nunca ter governado a ilha, e prometeu assumir o controlo, se necessário, pela força. Nos últimos anos, Pequim intensificou as suas atividades militares ao redor de Taiwan, realizando voos regulares de caças e exercícios navais nas águas próximas da ilha.
“Ucrânia hoje, Taiwan amanhã”
Taiwan depende do apoio militar e político dos EUA. De acordo com a Lei de Relações com Taiwan, os EUA têm a obrigação legal de fornecer à ilha os meios para se defender contra um possível ataque da China.
No entanto, a recente retórica de Trump lançou incertezas sobre o futuro das relações entre os EUA e Taiwan. O ex-presidente acusou repetidamente Taiwan de “roubar” a indústria de semicondutores dos EUA – uma alegação amplamente contestada – e afirmou abertamente que a ilha deveria pagar aos EUA pela sua “proteção”.
Para muitos habitantes de Taiwan, a frase “Ucrânia hoje, Taiwan amanhã” tem ressoado cada vez mais nas últimas semanas, à medida que observam Trump abalar a política externa dos EUA ao adotar a retórica do Kremlin e aproximar-se de Moscovo, enquanto se distancia de aliados europeus tradicionais e de Kiev. Os taiwaneses veem paralelos entre a sua democracia e a da Ucrânia, já que ambas enfrentam ameaças existenciais de vizinhos expansionistas e agressivos.
No início deste mês, Washington suspendeu abruptamente a ajuda militar à Ucrânia após um acalorado debate entre Trump, o vice-presidente JD Vance e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na Casa Branca – poucas horas depois da cerimónia da TSMC. A ajuda foi restabelecida esta semana, após a Ucrânia aceitar um cessar-fogo de 30 dias proposto pelos EUA. A Casa Branca também pressionou Zelensky a assinar um acordo que daria aos EUA acesso às riquezas minerais inexploradas da Ucrânia.
Tammy Chao, uma reformada, expressou à CNN a sua profunda preocupação com a segurança de Taiwan após o anúncio da TSMC, comparando a abordagem de Trump ao seu tratamento da Ucrânia. Ela descreveu-o como um “negociador” que pode acabar por tratar Taiwan como moeda de troca.
“Taiwan, muito em breve, tal como ele disse a Zelensky: ‘vocês não têm cartas para jogar’, e Taiwan não vai ter cartas para jogar,” disse Chao. “A TSMC era a melhor carta.”
Outros, porém, mostram-se menos preocupados. Fred Lin, um profissional do setor financeiro, acredita que a TSMC tomou a decisão de forma prudente.
“Quem é que não paga taxas de proteção aos EUA? Sem dúvida que isto é uma forma de taxa de proteção, isso é compreensível, mas essa é a realidade da política internacional,” afirmou.
Ainda comprometida
Na semana passada, o Presidente Lai afirmou que Taipé não sofreu “qualquer pressão de Washington” para fechar o acordo com a TSMC, que a empresa classificou como o maior investimento já feito nos EUA por uma empresa não americana.
Ao seu lado, Wei atribuiu o aumento do investimento à “forte procura” de clientes americanos como Apple, Nvidia, AMD, Qualcomm e Broadcom, que desejam reduzir potenciais riscos na cadeia de abastecimento ao fabricar chips localmente.
Ele também afirmou que a TSMC “não tem medo” de uma possível revogação dos subsídios do Chips Act por parte de Trump, sublinhando que a decisão de investir nos EUA foi impulsionada pelas necessidades dos clientes.
A TSMC recebeu 6,5 mil milhões de dólares em subsídios para as suas três primeiras fábricas no Arizona, ao abrigo do Chips Act, promovido pela administração Biden, que destinou 39 mil milhões de dólares para impulsionar a fabricação de semicondutores nos EUA.
“Somos os melhores, independentemente de onde construamos as nossas fábricas”, acrescentou Wei, referindo-se às unidades de produção de semicondutores.
Além das três instalações de fabricação adicionais, o novo investimento inclui duas fábricas de embalagem de chips e um centro de investigação e desenvolvimento para aprimorar as tecnologias de produção.
Wei esclareceu que o desenvolvimento da próxima geração de tecnologia de fabricação de chips continuará sediado em Taiwan e permanecerá dez vezes maior do que as operações nos EUA.
Especialistas da indústria elogiaram a decisão da empresa, considerando-a “ágil”.
O analista Ming-Chi Kuo, da TF International Securities, destacou a TSMC numa análise online, classificando-a como “a empresa não americana mais bem-sucedida nas negociações com a administração Trump.”
“Embora o investimento de 100 mil milhões de dólares pareça enorme, a falta de detalhes permite flexibilidade nos gastos de acordo com as condições futuras, suavizando o impacto na rentabilidade”, escreveu Kuo.
O investimento da TSMC acalmou, em grande parte, as preocupações de Trump, segundo Eric Chen, analista da Digitimes Research, uma empresa de pesquisa de mercado. “Mas, claro, não há como saber quando Trump pode mudar de posição – ele é famoso por reviravoltas inesperadas”, afirmou.