Para Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, anular a transferência de 476 milhões de euros para o Novo Banco não é inconstitucional, mas gerará responsabilidade civil.
A anulação da transferência de 476 milhões de euros para o Novo Banco, aprovada no Orçamento do Estado para 2021, não é inconstitucional, mas “gerará responsabilidade civil”, disse o antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Rogério Fernandes Ferreira, à Lusa.
A proposta do BE para anular a transferência, votada favoravelmente na quinta-feira por PSD, BE, PCP, PEV, Chega e a deputada não inscrita Joacine Katar Moreira, com abstenção de PAN e CDS-PP, “é um número de circo, irresponsável é certo, mas não viola a Constituição, nem a Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado”, disse o advogado e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no segundo Governo de António Guterres.
O também antigo professor de Finanças Públicas e de Direito Financeiro e Orçamental, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, entende que o que a Constituição e a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) impõem é, “apenas, que a lei do Orçamento do Estado ‘tenha em conta’ e ’em consideração’, respetivamente, ‘as despesas decorrentes de lei e de contrato’”.
“Obrigam, assim, antes de mais, o Governo a incluí-las na proposta de lei orçamental que apresenta à Assembleia da República. Mas não impõem aos deputados, aquando da discussão e aprovação da lei orçamental, a manter essa inscrição. Podem aprová-la ou rejeitá-la ou alterá-la”, advoga o também membro do grupo de trabalho que nomeado por Sousa Franco para a elaboração do anteprojeto da Lei do Enquadramento Orçamental publicado pelo Ministério das Finanças.
Segundo o antigo governante, “as competências nesta matéria e neste período, do Governo e da Assembleia da República, são, respetivamente, a de propor e a de aprovar, ou de rejeitar ou alterar, a proposta de lei do Orçamento” “Estas competências são exclusivas de cada um destes órgãos de soberania e são absolutas e indelegáveis”, indicou.
No entanto, a proposta do BE, aprovada pelo parlamento, impede “o Governo de cumprir e honrar um compromisso contratual anterior que assumiu em nome do Estado português”, cuja despesa associada “não poderá ser realizada se e enquanto não constar do Orçamento”.
Segundo o advogado, “o certo é que um eventual não cumprimento de uma cláusula contratual pela impossibilidade de realização da despesa (não orçamentada) sempre gerará responsabilidade civil (contratual) e indemnização, quer por danos emergentes, quer por lucros cessantes, certamente a serem declarados por sentença judicial”.
O antigo professor de Finanças Públicas aditou ainda que “também estas ‘despesas decorrentes de sentenças de quaisquer tribunais’ devem ser tidas em conta e ‘consideradas’ na lei orçamental”. “Ora, durante a execução orçamental, os deputados, mesmo os que aprovaram esta proposta do BE, estão impedidos de propor a inscrição de ‘novas’ despesas”, sob pena de violarem a lei-travão, explanou Rogério Fernandes Ferreira.
Assim, “ou a despesa encontra cabimento em sede de rubrica própria ou de rubrica de execução de sentença – o que certamente o valor previsto não permitirá -, ou o circo continuará, impondo, já durante a execução orçamental de 2021, uma nova proposta de lei de alteração orçamental da iniciativa do próprio Governo”, um orçamento retificativo, concluiu.